Blogoterapia

É um blog sobre psicoterapia, filosofia, arte e o sentido da vida para passar um conteúdo dinâmico e diário, para troca de conteúdos que possa ser terapêutico.

Os pais desnecessários

Clientes e amigos se perguntam sobre o papel de mãe e do pai, sobre o que seria uma boa família, sobre os exageros do papel de mãe e de pai, que quando vão além da conta, deixam de ser adequados porque foi boa “demais”, muito mais do que era necessário e sendo assim, não dá vontade de ir embora e de crescer. Assim, a boa mãe e bom pai são aqueles que vão se tornando cada vez mais desnecessários com o passar do tempo.

Houve um tempo em que programas de TV, psicólogos, celebridades e autoridades passaram a dizer frases assim (como a do título do artigo), e elas pareciam estranhas, em parte porque às vezes somos desumanos com a figura dos nossos pais e achamos que eles precisam estar disponíveis se doando a vida inteira, atendendo aos caprichos, carências e necessidades dos seus filhos.

Precisamos entender que eles são e talvez sejam para sempre os nossos pais em nosso aconchego, mas chega uma hora que eles às vezes precisam mais receber do que dar e frequentemente não nos pedirão nada por mais que precisem.

Não estamos nos referindo ao amor, pois o amor é quase sempre incondicional e eterno e os filhos serão sempre bebezinhos no coração dos seus pais. O filho não deve nada aos seus pais senão o cuidado espontâneo e o respeito, e embora frequentemente não solicitem nada aos seus filhos, eles precisam e esperam contar pelo menos com o nosso amor, o que dizer do cuidado e o respeito?

Não se trata de reprimir de vez nenhum impulso natural materno ou paterno a manifestação daqueles que desejam manter a cria embaixo das suas asas, protegida de todos os erros, tristezas e perigos. Não se trata de nenhuma guerra contra a dependência e o vínculo, mas apenas e tão somente da consciência.

A luta heroica para sair desta proteção é um sinal não apenas de que os nossos pais nos prendem, mas provavelmente de que ainda estamos debaixo das asas deles e, às vezes, ainda achamos que o fato de estarmos grudados a eles seja culpa deles.

A supermãe e o superpai vão se tornando natural e lentamente desnecessários, o superpai tem que se tornar obsoleto a superfamília precisa se ajustar, mas isto não é feito acionando botões mágicos.

Filhos dependentes às vezes são chatos e grudentos, são casquinhas de ferida, querem ser bem tratados, pedem comida, dinheiro, e se esquecem de que tem uma hora na vida que a gente precisa perceber que crescemos. Que isto aconteça o mais cedo possível, antes que os nossos pais envelheçam, adoeçam ou até morram.

Sermos “desnecessários” (falando como pai), é não deixar que o amor incondicional de pai ou de mãe alimente a dependência dos filhos em relação a nós, como se a nossa relação fosse uma droga, a ponto de não conseguirmos ser autônomos e confiantes. Sabemos que a independência é impossível. A família é um sistema de vínculos onde todos são necessariamente “interdependentes”, ao passo que a “dependência” e a “codependência” são neuroses.

Os filhos precisam ir embora e isto não é novidade e quando estiverem prontos para seguir o destino fazendo escolhas, superando frustrações e cometendo os seus erros e acertos como acontece com todas as pessoas, algo acontece, eles se desligam como frutas maduras que se soltam dos ramos.

A cada fase da vida a relação pais e filhos passa por novos momentos, atende naturalmente a uma espécie de ciclo-vital que dá um colorido novo para cada momento, refazendo os vínculos e reformatando o “cordão umbilical” para cada nova fase.

Nestas fases vão ocorrendo novas perdas e novos ganhos, para os dois lados, tanto para os pais, como para os filhos. O amor se reconstrói permanentemente e só é amor quando é libertador e os vínculos não param de se transformar ao longo da vida e não acabam nunca. Eles permanecem por gerações e até após a morte como bem demonstram as constelações familiares.

Então os filhos se tornam adultos, constituem as próprias famílias e recomeçam um novo ciclo-vital. O que eles precisam é da certeza de que os seus pais estão lá, firmes, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso, para o acolhimento e o abraço e para o conforto das horas difíceis.

Pais e mães solidários criam filhos seguros e livres e este é o maior desafio da família, dos pais que vão aprendendo a serem sabiamente “desnecessários”, e então nós, os pais, nos transformamos numa espécie de porto seguro psicológico para quando os filhos precisarem se atracar.

Quando os pais passam, então eles ficam ainda melhores, ficam eternos e vivem dentro de nós. Há uma ilusão psicológica quando tratamos os pais como seres que estão “lá fora” como se fossem outras pessoas. Na verdade, os nossos pais estão dentro de nós, os nossos pais somos nós, porque as nossas células são metade de um e metade do outro e quando estamos em crise como pais, as nossas células brigam dentro deles atendendo a uma espécie de ressonância mórfica.

Somos concretamente extensão dos nossos filhos e eles são extensões de nós. Nunca morreremos e estaremos sempre a postos (inclusive no imaginário) para nos ajudarmos quando amamos, quando não reivindicamos e quando reconhecemos respeitosamente o nosso lugar dentro da ordem familiar e das ordens do amor.

Tags:
José Carlos Vitor Gomes Psic.

José Carlos Vitor Gomes Psic.

Atua como psicoterapeuta, psicoterapeuta familiar e de casal desde 1979. Fez cursos de especialização nos Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Itália e no Brasil. Foi um dos pioneiros na divulgação da psicoterapia familiar no Brasil. Foi organizador de 53 eventos com celebridades nesta área com a participação de mais de vinte mil profissionais brasileiros.

sitedopsicologo.com.br / (19) 99191-5685