Blogoterapia

É um blog sobre psicoterapia, filosofia, arte e o sentido da vida para passar um conteúdo dinâmico e diário, para troca de conteúdos que possa ser terapêutico.

O segredo para que um matrimônio dure é não se casar

A minha amiga e professora Michele Winner-Davis, para quem traduzi alguns livros certa vez disse: “frequentemente me perguntam se sou casada. Às vezes minto e digo que sim. Outras vezes minto e digo que não e em nenhuma das respostas preciso ser verdadeiramente honestas.

Sabem por que? Dizendo que não estou casada — o que é verdade —, as pessoas em certas ocasiones tentam me casar com seus filhos e parecem acreditar que eu seria um grande partido e, na verdade, eu até o seria: envio cartões de agradecimento pessoais e me afasto; eu sei que sou muito boa conversando; sei fazer tortas e pastéis.

Conheci o meu companheiro com quem estou (não-casada) na segunda semana das nossas vidas universitárias assim que entramos na faculdade.

– Você tem usado roupas pretas”, disse Hans.

– Eu também tenho usado roupas pretas…”

Eu disse com uma certa ironia, – claro, pois estamos em um cenário de teatro onde tudo é escuro, quase todos estão vestidos em preto. Ele tinha uma noiva, por isto não começamos a sair imediatamente e não saímos juntos a não ser vários meses depois. E desde então temos estado sempre juntos, e agora já se passaram mais de vinte e um anos.

Um ano antes de conhecer Hans, uma parente dele roubou seu cartão de crédito e o utilizou para pagar praticamente todas as despesas do seu casamento. Esta pessoa se recusou a pagar a conta, por anos e anos a fio e creio que ainda esteja em aberto até hoje, nunca pagou e talvez nunca pague.

E Hans não sabia de nada a não ser dois anos depois do crime, quando queria entrar na pós-graduação, tentou pagar o curso, porém seu crédito estava estourado com uma dívida tão astronômica que não conseguia emprestarmos dinheiro para pagar sequer as suas despesas mais corriqueiras.

O banco o informou que a única maneira de se desfazer de sua péssima reputação bancária, era processando a parente que tinha usado indevidamente o seu cartão. O roubo de identidade é um delito grave e essa parente poderia acabar presa.

Hans não podia fazer nada: a mulher que lhe tinha roubado o cartão tinha um filho e ele não queria que este crescesse sem a sua mãe. O que poderia ter me assustado, ao contrário, foi algo que eu gostei muito nele. Hans tinha vinte e tantos anos e era mais do que pobre, porém, o que importava? Ele tinha uma integridade linda, estávamos enamorados e completávamos seis meses de noivado.

Era uma situação difícil de ser explicada aos que não nos conheciam de verdade. Eles tendiam a fazer preguntas como: – E por que não se casaram imediatamente para melhorar a reputação financeira dele?

Pois é… Eu não sei porque, mas sequer me preocupava em responder.

A resposta é que, de fato, eu tinha muitas razões para isto. Estava com 18 anos quando nos conhecemos e não sabia quanto tempo duraria a nossa relação. A dívida era muito grande e eu não queria pedir dinheiro aos meus pais. Nem Hans e nem eu tinha qualquer trabalho. Ambos queríamos ser artistas, mais do que isto, queríamos também nos casar. Um de nós dois pelo menos precisava não estar na lista negra da falta de crédito para eventualmente alugar um apartamento, pagar contas e comprar mantimentos. Quando ambos pudemos sair desta espinhosa situação, já tinha se passado muito tempo, e não podíamos mais ficarmos enfermos com a terrível doença que é o desespero pelo casamento.

Porém, eu nunca disse nenhuma dessas coisas a quem quer que me perguntasse. Eram coisas minhas…

Preocupava-me o fato de que se Hans e eu nos casássemos naquele momento, seria como se disséssemos que estas últimas duas décadas juntos foram perdidas… e não foram.

– Será que sou eu que não gosto de casamentos? Perguntava-me e esta era na verdade uma outra questão.

Eu adoro festas de casamento. Elas são uma rara mistura de magia entre as religiões, a sociedade e é também interessante para os governos, mas honestamente, os ambientes festivos sempre me encantaram. Eu sou uma pessoa alegre. É algo lindo e muito teatral, mas o fato é que somos seres reais.

Eu perdi a conta de quantas vezes fui às festas de casamento. Adoro os vestidos brancos e os ternos pretos. Usei muitas vezes vestidos de damas de honra e adoro o perfume das flores e quando as noivas jogam seus arranjos para serem pegos pelas meninas que sonham em se casarem. Mas, eu nunca tive entre elas tentando pegar os arranjos que diziam que dava sorte, no entanto, me entusiasmo ao ver as cenas, sem contar as vezes que me encantei escutando as bandas que tocam nos bailes de casamento, justo eu que sempre adorei dançar.

Não perco a oportunidade de comprar presentes nas listas que as minhas amigas noivas deixam nas lojas, gosto de personalizar toalhas, bolsas, lenços e canecas para os casais. Estou tranquila comigo mesma por saber que não tenho nenhum plano de me casar, e sei que, para mim, talvez nunca cheguem as belas toalhas personalizadas para os meus enxovais, nem as fronhas bordadas e as canecas.

Eu e o Hans estamos juntos há muitos e muitos anos, nas situações boas e más, e de alguma forma, já temos todas estas coisas que todos ganham.

Há algum tempo, o meu contador mostrou a sua aliança e me falou encantado sobre o seu matrimônio. Ele é meu contador há mais de treze anos; possivelmente é a segunda relação mais longa e mais importante da minha vida. Discutíamos se agora era ou não o momento de me casar. Disse a ele que me sentia como se tivesse perdido o momento e o tempo de me casar tinha se passado. Ele respondeu, estou próximo de completar 40 anos “E parece que temos mais necessidade de nos casarmos quando vamos ficando mais velhos”. Estas razões pertencem a uma ou duas categorias. A primeira é o que acontecerá quando eu morrer? E a segunda é o que acontecerá com outro quando eu adoecer e morrer?

Uma vez, voltando de uma viagem que fiz ao Japão, um agente fiscal se encrespou porque o Hans e eu compartilhávamos a mesma mala apesar de não termos uma relação conjugal formal. Não éramos parentes e nem família e então tínhamos que passar separadamente para fiscalização da receita federal. O que deveríamos então fazer o tal fiscal diante do seríssimo problema de compartilharmos uma mala?

Então eu comecei a falar “quando estávamos na universidade uma psicopata da família dele usou seu cartão de crédito e por isto não nos casamos, o que parecia piorar as coisas…”

Aquele acontecimento justificava de certa forma a razão porque não nos casamos em um ponto remoto das nossas vidas. Porque, segundo meu contador, conforme envelhecemos, a vida não é mais do que uma série de desencontros, inclusive, com os tais agentes aeroportuários da vida.

Sei que ele deve ter lá as suas razões, mas a esta altura, uma reflexão assim apenas encheria o saco. Não quero voltar e começar da estaca zero contando tudo de novo. Preocupa-me o fato de que se Hans e eu por ventura nos casássemos agora, seria admitir que as nossas belíssimas décadas juntos não teriam sido válidas…. e elas foram fantásticas!

Fomos construindo uma vida juntos; e a única coisa é que escolhemos não estarmos casados.

O homem com quem estou (não-casada) e eu, tivemos quatro lindos cachorros juntos. Dediquei a ele vários dos meus livros, porém a verdade é que eu lhe poderia ter dedicado todos. Ele é o meu melhor leitor crítico e o mais importante dos meus colaboradores. Hans é o meu maior amigo. Temos viajado pelo mundo compartilhando uma única maleta que temos e não mudaremos isto. Danem-se os fiscais! Adoramos cozinhar os nossos mais de cem pratos e nunca matamos um ao outro por isto. Adoramos os nossos petiscos juntos, e temos compartilhado dezenas de ideias e momentos juntos.

Sem perceber, fomos construindo uma vida juntos e a única coisa diferente da maioria é de que não estamos casados, apesar de vivermos na Califórnia, onde sequer existe a figura do concubinato.

Há algum tempo – quando estávamos (não-casados) já por quinze anos – quando tínhamos um apartamento no Riverside Park em Nova York, Hans um dia se despertou, foi até a janela e disse com uma convicção quase que bíblica e inocente: “Tudo indica que essa é a Kristen Schaal, uma famosa atriz americana”.

Era atriz em um dos nossos programas favoritos, “O voo dos concordes”. Pegamos os nossos cachorros e saímos para vermos de perto a tal atriz, que estava sentada no parque. Não era a Kristen Schaal coisa alguma, e de perto, nem sequer se parecia com ela. E agora nós nos dizemos isto brincando o tempo todo: “Tudo indica que esta é a Kristen Schaal!”

É impressionante o quão frequentemente brincamos incluindo esta declaração dentro das nossas conversas. É algo que não seria gracioso para ninguém, mas o “é” para o homem com o qual eu estou não-casada a tantos anos um motivo de risadas.

Às vezes, creio que o segredo para um matrimônio duradouro e feliz está em não se casar, ainda que sem dúvida existam casais casados que devem ser felizes como nós.

Alguns amigos se divorciaram há pouco tempo. Estiveram juntos mais ou menos o mesmo tempo que Hans e eu, e eu achava que eles eram tão felizes. Porém não há como saber o que realmente acontece quando as portas se fecham. Perguntei a uma destas amigas: “Qual é porcentagem do tempo juntos que você acredita que foram felizes?”.

“Uns 20 por cento”, respondeu ela. Algumas semanas depois, ela mudou a sua estimativa para pior: “Quem sabe talvez uns dois por cento”.

“Dois?”, perguntei-lhe. “Como pode alguém viver com outra pessoa quando há apenas dois por cento de felicidade?”.

“Talvez tenha sido três por cento”, acrescentou-me.

Hans e eu estamos felizes por muito mais tempo. Temos as típicas brigas de casal e as nossas discussões mais frequentes terminam com ele levantando as suas mãos e dizendo: “Eu não sou um consertador de eletrodomésticos!”

Às vezes, creio que o segredo para um matrimônio longo, pacífico e feliz está em não se casar, embora sem dúvida existam casais bem casados que são tão felizes quanto nós.

Faz algum tempo, quando uma mulher me fez a típica pergunta sobre se estava casada ou não, eu tive alguns tropeços ao tentar responder corretamente: “Estou com o mesmo companheiro há mais de duas décadas, porém não estou segura se acreditamos ou não no matrimônio”. Senti-me bem por ter declarado a minha situação de maneira tão clara.

“Crer?”, respondeu ela reticente. “Crenças são coisas de crianças em relação ao Papai Noel…”

Ela tinha razão. É pura bobagem dizer que não acreditamos no matrimônio. Após ficar com a mesma pessoa por mais de vinte anos, sem dúvida alguma eu devo crer no matrimônio; e sem dúvida, a vida é melhor para os que vivem acompanhados.

Quando digo que não creio no matrimônio, eu também quero dizer que entendo que podem até existir benefícios legais e financeiros, porém não creio que o governo, a igreja ou que uma lista de presentes das noivas tenha o poder de mudar a maneira como eu me sinto e me comporto.

Ou, talvez, o faria, mas se a lei não lhe reconhece como casal não muda nada. Tudo é uma questão de apostar nas escolhas mútuas todos os dias e fazer o possível para continuar merecendo sermos escolhidos. E talvez essa escolha diária seja “este algo” que torna melhor uma relação, e os casais felizes no casamento sabem disto.

Finalmente, todas as manhãs, me desperto e olho curiosa para ver o Hans do meu lado e penso: “Como eu te amo! Eu escolho você novamente a cada manhã entre todas as pessoas do mundo. Alegra-me poder me decidir por você há mais de vinte anos e o escolho novamente agora. Você é uma presença constante em minha vida e eu sou uma presença constante em sua vida. Amar você, é o mais próximo que consigo chegar da minha própria fé.

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José Carlos Vitor Gomes Psic.

José Carlos Vitor Gomes Psic.

Atua como psicoterapeuta, psicoterapeuta familiar e de casal desde 1979. Fez cursos de especialização nos Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Itália e no Brasil. Foi um dos pioneiros na divulgação da psicoterapia familiar no Brasil. Foi organizador de 53 eventos com celebridades nesta área com a participação de mais de vinte mil profissionais brasileiros.

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