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O ciúme póstumo

Os clientes querem compreender o ciúme, especialmente o ciúme póstumo, e a reflexão é de que os amantes constroem juntos as traições e no caso dos ciúmes póstumos, o objeto da traição sequer existe.

Para quem ama é difícil imaginar a pessoa amada com outra pessoa, suas vivencias passadas, as trocas e as experiências com alguém que agora está com ela. É cruel imaginar esta pessoa fazendo parte de outras histórias no passado ou no presente.

“Quando penso que a sua boca beijou outra boca, a insegurança toma conta de mim. Pior ainda é imaginar a história da sua intimidade.”

Sem dúvida alguma a traição é cruel quando é real e atual, mas muitas vezes vivemos reanimando cadáveres e ressuscitando os mortos, sofrendo por coisas que não podem mais ser solucionadas.

Muitos confundem ciúmes com uma espécie de “inveja” de tudo o que a pessoa amada viveu com alguém do passado, as experiências que deram certo, a lua de mel, uma viagem, a construção de um imóvel, a gravidez e o parto de um filho.

O ex é na verdade importante porque foi ele (ou ela) quem preparou ambos para a relação que agora vivem e para a vida atual.

Naquele tempo talvez dissessem: “Eu nasci para você e você nasceu para mim!” Que bobagem é esta agora de achar que alguém nasceu para você. Ninguém nasce para ninguém! Todo mundo nasce para si mesmo! Mas, a lógica do amor ninguém pensa assim.

Roland Barthes, um filósofo francês em seu livro “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, afirma que: “Como ciumento eu sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo em sê-lo, porque temo que meu ciúme magoe o outro e porque me deixo dominar por uma banalidade. Sofro por ser excluído, por ser agressivo e por ser meio louco”.

Mais recentemente, eu mesmo em minha experiência clínica descobri que há mais dois sofrimentos cruéis; o primeiro é porque o ciúme faz propaganda do “inimigo” e o segundo, porque os ciúmes exagerados parecem disfarçar “homossexualidades latentes”, pois o ciumento é alguém que acredita que existe no mundo uma pessoa do mesmo sexo, que é tão incrível, que a pessoa amada não poderia passar pela vida sem conhecê-la e quem pensa assim tende a ser um homossexual!

Quando comentei sobre isto com a professora Cloé Madanes, uma das maiores terapeutas de casais do mundo; demos doas risadas porque nós mesmos estaríamos no grupo de ciumentos e comecei a pensar sobre o tema.

Segundo Barthes a dor infinita do ciumento é comparável, talvez, somente à inveja e é comum por ser um dos sentimentos mais presentes na alma neurótica dos amantes.

De fato ele tem inveja da felicidade vivida pelo outro com os outros e se pergunta; “Afinal porque isto não aconteceu entre nós? Porque esta viagem não foi entre nós? Porque este filho não é nosso?” E sofre realmente com estas reflexões absurdas.

“O amor da sua vida” é seu amor enquanto a relação durar, e pode ser infinito enquanto durar, mas não é definitivo, pois toda relação terá um fim e o “fim” está presente em tudo o que um dia teve um “começo”.

Todo relacionamento é finito. O mito de que “nascemos um para o outro” é uma realidade que dura enquanto “amamos” um ao outro e estamos juntos. Depois tudo acaba. Assim, nascemos para o outro por algum tempo, enquanto isto fizer sentido.

E como disse o poeta Vinicius de Morais no soneto da Fidelidade:

 

De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

 

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento

 

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

 

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

 

O CIÚME É O DESEJO DE PERDA

 

Uma história poderá ser vivida por um tempo e mesmo acabando ser intensa por toda a vida. Uma história de amor não deixa de ser eterna enquanto memória e em seus efeitos por ter sido finita no tempo.

O cimento é aquele que deseja ir embora, é o inseguro, o fraco, o doente. As emoções do cimento são tóxicas e prejudiciais à continuidade do amor.

Pode-se dizer que o ciúme reflete o “medo de perder o que se tem”. Na verdade, embora os amantes se escolham; ninguém é dono de ninguém e possuir alguém seria um infeliz “sequestro amoroso”.

Tenho explicado que aqueles que se amam são “companheiros de viagem”. Almas que se procuram por afinidades ocultas e facilitam a vida daqueles, que, por alguma razão se amam e se ajudam neste mundo.

Por outro lado, é a liberdade e a transitoriedade que fazem a beleza do amor dos que se escolhem parecem dizer; “Eu te escolho por mais um dia!”

O ciumento cuida do outro não por causa do outro, mas por causa de si mesmo. O foco do seu interesse é controlar e matar a liberdade. O amor só cresce na liberdade e quem é livre honra esse voto de confiança.

Onde existe amor existe escolha. Não há necessidade de se montar guarda como se o outro fosse perigoso e ao menor descuido pudesse fugir com outro. Isto é mais escravidão do que amor. Vigiar desrespeita o ser cativo e vigiado que é um prisioneiro e não chega a ser amado.

Por outro lado, se alguém é fiel sobvigilância, ela pessoa de fato não é fiel. Ela vive no cativeiro da desconfiança de um amor que faz mal, que oprime e é restringido pelo outro.

O ciúme decorre de uma espécie de “delírio da posse”, do medo da perda que se plasma como desejo de controlar e ter. É um sequestro onde o que se aprisiona é um fantasma, algo que quanto mais se prende mais ele foge.

Há também uma dimensão sobre a qual a psicanálise chama a atenção que é o fato do ciúme ser uma espécie de medo que se confunde com desejo e são sinônimos.

Medo é desejo (medo = desejo), aquele que prende quer destruir e perder o outro. O medo e o desejo da perda estão contidos no ciúme, e são na pior das hipóteses faces da mesma coisa.

Quem tem medo de ser traído, “espera” que a traição aconteça, e quem “espera” que algo possa acontecer anseia por isto e tem ocultas “esperanças” de perda, e cuidando demais se descuida e espanta de si quem deseja e “ama”.

O ciúme, que pode ainda funcionar como um sinal de alerta de que a relação acabou e alguém deseja ir. Pode ser uma proteção da rotina do casal, que em exagero de causa, pode asfixiar e levar à separação.

Existe uma variedade de ciúmes, no entanto, a essência deles está associada à autoestima baixa. O ciúme não tem nada a ver com a traição necessariamente, pois muitos dos quais se têm ciúmes nunca traíram e outros sequer existiram.

Por outro lado, os grandes infiéis, às vezes traíram com a conivência dos parceiros. Eles pareciam estimulá-la com a sua vigilância e precisavam tolerar a traição para justificar sua autopiedade e autopunição culposa.

Quanto menor a autoestima, maiores são as chances de uma pessoa ser ciumenta.

Em geral, quem é doentemente ciumento é controlador, monitora a vida do outro vasculha telefones, e-mails, redes sociais e vive desesperadamente tentando comprovar alguma coisa. Adivinha por quê? Porque isto é o que ele busca e deseja encontrar.

Eles sofrem e fazem sofrer, normalmente rejeitam as psicoterapias, porque sonham com a possibilidade de serem traídos.

Se o traidor percebe ele pode trair para agradar e presentear o outro dando o que ele deseja tão ansiosamente receber.

Então o traído parece sofrer, mas perdoa rapidamente, não por ser bonzinho, mas para se tornar poderoso, resignado e melhor do que o seu amado traidor.

Finalmente, é muito interessante deixar claro que a traição frequentemente é um projeto dos dois. Trata-se de um acordo secreto e onde não existe vítima, mas é resultado de uma busca conjunta dos amantes, especialmente quando isto acontece e eles se perdoam, mas também porque a traição às vezes é uma oportunidade para o fim de uma relação que não existia mais.

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José Carlos Vitor Gomes Psic.

José Carlos Vitor Gomes Psic.

Atua como psicoterapeuta, psicoterapeuta familiar e de casal desde 1979. Fez cursos de especialização nos Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Itália e no Brasil. Foi um dos pioneiros na divulgação da psicoterapia familiar no Brasil. Foi organizador de 53 eventos com celebridades nesta área com a participação de mais de vinte mil profissionais brasileiros.

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