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Escrava Anastácia: a vítima da beleza

Sabemos que existe um movimento de reposicionamento existencial e de autoempoderamento para que se reconheça a força e a independência da mulher, a sua capacidade de dar conta de si mesma e de cuidar do seu próprio destino. Isto nos convida a olhar a história iconográfica da escrava Anastácia, perseguida, estuprada, violentada, silenciada e finalmente sacrificada aos 34 anos de idade, 148 anos antes do início do movimento para a “libertação” da escravidão em 13 de maio de 1888.

Anastácia é vista pelo povo como a santa e guerreira, a heroína poderosa e valente, talvez uma das mais importantes figuras e uma das pioneiras das causas femininas da História da Humanidade e da mulher negra, tão nobre que foi abandonada até pela Igreja que, por alguma razão ainda não leva adiante a sua beatificação.

Não que a beatificação resolva qualquer problema ou alivie as nossas tão brancas culpas, mas seria um reconhecimento da sua luta que ao seu tempo, na Idade Média e nos anos 1740, deve ter sido muito difícil. Sua vida, que não teve outro sentido senão lutar, como um exemplo de bravura, de resistência e ao mesmo tempo, de resiliência, doçura e fé.

Ficamos pensando no propósito, no sentido que liga mulheres com esta força, na defesa do destino da mulher e da humanidade sofredora. Quão árdua deve ter sido também a luta da Princesa Isabel (1848-1921), que ao substituir o imperador que estava de viagem, promulgou a Lei do Ventre Livre em 28 de setembro de 1871, para logo depois, durante a terceira viagem do imperador, sancionar finalmente em 13 de maio 1988, a Lei Áurea, cujo ato àquele momento não resolveria muito, mas foi muito festejado ao seu tempo, e aquela valente mulher, reconhecida como ”A Redentora” seria condecorada com a distinção da Rosa de Ouro, oferecida pelo Papa Leão XIII.

Parece que as almas de Anastásia e da Princesa Isabel, duas mulheres “e não dois homens”, estavam espiritualmente alinhadas para a superação de uma vergonha que quase ninguém suportava mais, e então começou movimento talvez pela causa errada, não pela consciência da barbárie e dos acontecimentos, mas pela pressão e pela vergonha diante do mundo, já que o Brasil foi o último país do mundo a libertar os seus escravos, coisa que na verdade nunca foi plenamente concluído, pois a exploração da força de trabalho ainda é um problema nacional.

Um ano depois, em 15 novembro de 1889, foi proclamada a república e a Princesa Isabel com a sua família foi banida, foram expulsos do Brasil e tiveram que voltar para a Europa. Na verdade, o Brasil parece não suportar movimentos libertários e desde lá, passando pelos anos de chumbo, parece nunca ver com bons olhos a vida com a liberdade e a independência que nos é possível.

A partir de 1905 eles foram morar no Castelo D’Eu em Dieppe, cidade do interior da França e faleceu em 14 de novembro de 1921.

Isabel foi enterrada no Mausoléu dos Orleans na cidade de Dreux, na França. Em 1953 seu corpo foi devolvido ao Brasil e ficou na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, para finalmente ser levada para a Capela Imperial da Catedral de Petrópolis em 13 de maio de 1971.

Sobre Anastácia, o que se falou e escreveu sobre ela, dão conta de que se tratava de uma belíssima mulher negra de olhos azuis, que não cedeu aos apelos sexuais de seu senhor e, por isso, foi estuprada, amordaçada e presa. A missão de Anastácia parece ter sido um exemplo de valor que ainda inspira milhões de pessoas devotadas à causa da liberdade. A história de Anastácia começou, portanto, em 9 de abril de 1740, com a chegada do navio negreiro “Madalena” no Rio de Janeiro vindo da África.

Estava carregado com 112 negros Bantus, originários do Congo, para serem vendidos como escravos, dentre os quais estava Delminda, mãe de Anastácia, que foi arrematada por mil réis por Antônio Rodrigues Velho, um bandeirante que extraia minérios no norte de Minas Gerais o que aconteceu assim que o navio chegou ao cais do porto, onde os negros eram disputados, leiloados e em minutos toda a carga estava completamente vendida.

Chegando na Região, Delminda, já gravida, foi comprada por Joaquina Bernarda de abreu e Silva Castelo Branco, também conhecida como Joaquina Pompeu, nora de Antônio, dos Pompeus se tornaram nomes das cidades fundadas onde eram suas terras.

Nasceu Anastásia nas terras de Joaquina Pompeu, onde hoje fica a cidade de Pompeu, nas fronteiras entre Minas Gerais e a Bahia. Como era muito bonita, um dos filhos de Joaquina, de nome Joaquim Antônio, se apaixonou por ela, ofereceu dinheiro para tê-la o que ela não aceitou e passou então a ser perseguida, estuprada, torturada e obrigada a usar máscaras de Flandres até a sua morte como mártir numa senzala aos 34 anos de idade.

Delminda foi violentada e acabou ficando grávida de um homem branco, motivo pelo qual Anastácia, sua filha, nascera com olhos azuis. Sendo uma mulher forte, guerreira e algumas vezes orgulhosa, Anastácia era conhecida por reagir e lutar contra a opressão do sistema escravista. Era muito cobiçada por sua beleza, mas ao mesmo tempo em que se desenvolvia, seu comportamento despertava a ira dos seus senhores e de suas mulheres enciumadas, que não se conformavam com a beleza de uma simples escrava.

Quase podemos dizer que Anastácia foi uma vítima de sua própria beleza.

Então foi sentenciada a usar uma máscara de ferro por toda a vida, que só era retirada para a alimentação. Suportou anos de espancamentos, que só terminariam em sua morte aos 34 anos de idade. Sua resistência diante da dor e dos maus tratos, acabou por incentivar outros negros a reagirem contra a opressão.

Os restos mortais de Anastácia foram sepultados na Igreja do Rosário no Rio de Janeiro e sumiram após um misterioso incêndio, fazendo com que as dúvidas a respeito da sua história aumentasses. Ao mesmo tempo, a crença popular a tornou um mito religioso, pois segundo seus devotos, “A Santa” (como é cultuada nas religiões Afro-Brasileiras), era capaz de realizar milagres.

Anastácia colocava as mãos no doente e os males desapareciam. Foi assim que, por ironia do destino e o dom que possuía que Anastácia acabou salvando a vida do filho do Sr. Joaquim, o fazendeiro que a violentou.

No auge do desespero, a família decidiu recorrer à Anastásia para salvar a vida do menino. Pediram-lhe ajuda e a Santa realizou mais uma das suas curas para o espanto de todos.

Nos dias atuais, muitas são as entidades unidas no propósito de solicitar ao Papa, a beatificação da escrava Anastácia, mas parece que a Igreja também tem lá os seus preconceitos e não se mobiliza, embora, ao perfil desta mulher valente esteja somado a sua luta contra a escravidão coisas que a tornam modelo de liderança e resistência, além da sua milagrosa força de cura.

Parte da história de Anastácia foi recuperada em 1968, quando a Igreja do Rosário, no Rio de Janeiro, fez uma exposição em homenagem aos 90 anos da Abolição da escravatura. Na ocasião foi exposto um desenho de Étienne Victor Arago, que reproduzia uma escrava do século XVIII que usava máscara de ferro, método empregado nas minas de ouro para impedir que os escravos roubassem os senhores das minas.

Finalmente, a existência de Anastácia é colocada em dúvida por estudiosos suspeitos sobre o assunto, afirmando que não existem provas materiais de sua existência, mas a fé em sua existência, atrai milhares de devotos pelo país.

Evidentemente que Anastácia é real, que ela existiu de fato e foi uma extraordinária feminista que talvez sequer tenha chegado a ter consciência disto – mas que importância disto? O importante é a sua luta, assim como foi a luta de Marielle Franco amordaçada pela silenciosa máscara da morte para não dizer sabe-se lá o quê?

Em nosso país, parece que as grandes mulheres se tornam Anastácias, Isabéis e Marielles.

Por fim, o dia consagrado à Escrava Anastácia é esquecido e sequer é celebrado, mas é 12 de maio, data em que Anastácia nasceu em Minas Gerais, o dia escolhido para ser esquecido como um momento para relembrarmos da vida de uma mulher calada para ser eloquente e presa e morta para se tornar guerreira para sempre.

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José Carlos Vitor Gomes Psic.

José Carlos Vitor Gomes Psic.

Atua como psicoterapeuta, psicoterapeuta familiar e de casal desde 1979. Fez cursos de especialização nos Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Itália e no Brasil. Foi um dos pioneiros na divulgação da psicoterapia familiar no Brasil. Foi organizador de 53 eventos com celebridades nesta área com a participação de mais de vinte mil profissionais brasileiros.

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