A DEGURUFICAÇÃO DA LOGOTERAPIA
Viktor Emil Frankl
Discurso de abertura do Primeiro Congresso Mundial de Logoterapia de (San Diego, Califórnia, realizado em 6 de novembro de 1980.
Tradução: José Carlos Vitor Gomes, Psic.
Professor Ghougassian, Professor Simms, prezados senhores, é impressionante como o professor Ghougassian, juntamente com o Professor Simms e o Professor Wawrytko, tenham reunido tantos entusiastas para este magnífico Congresso Internacional, com tantas pessoas devotados à Logoterapia!
Enquanto eu no primeiro dia do Congresso, olhava as várias salas de cursos e enquanto ouvia cada orador, eu divagava entre uma experiência-pico e outra. Esta situação não apenas me oprimia – mas também me embaraçava. Até há alguns instantes, eu não sabia que teria a incumbência de fazer a conferência chave. Fiquei pensando no que eu gostaria de dizer a vocês especialistas em Logoterapia. Afinal, eu não posso apresentar uma nova Logoterapia a cada ano. Mas que tal apresentar uma versão resumida, básica e atualizada da Logoterapia agora, como aquela que a seis meses atrás assisti na Filadélfia, quando o professor Josepf Wolpe me convidou para participar de um congresso realizado em sua universidade?
Mas, também o Dr. Joseph Fabry, fundador e diretor do Instituto de Logoterapia de Berkeley e do Fórum Internacional de Logoterapia, produziu lindas páginas num dos recentes exemplares do seu jornal.
Como vocês podem ver, não existe apenas ansiedade antecipatória, este fenômeno que nós, os logoterapeutas tanto enfatizamos em nossa teoria geral das neuroses, mas é também algo que eu preferiria chamar de Angústia da expectativa.
Poucos dias atrás, um pouco antes de sair de Viena, recebi uma carta do professor Ghougassian na qual ele especificava um pouco qual seria a forma da minha conferência. Ele gostaria que eu refletisse um pouco, – literalmente – sobre “Como ficará a Logoterapia quando eu me for”? Em outras palavras, ele gostaria que eu ensinasse o canto do cisne sobre o legado que vou deixar. Todavia, não sou profeta para prever o futuro da Logoterapia e muito menos um guru com poderes para descrever o que será do amanhã.
E fazendo alusão ao título da conferência que eu escolhi para a minha participação na Filadélfia que foi sobre “A humanização da psicoterapia”, o título que julguei mais apropriado aqui para San Diego seria; “A Logoterapia em seu caminho para a deguruficação”. De fato, o devir da Logoterapia depende de vocês, e para a determinação de como ela será e todos precisarão ser livres e independentes. Além do mais, a Logoterapia considera o homem um ser em busca de sentido e responsável pelo encontro deste sentido, sabedor de que sua missão é ajudá-lo a se fazer cada vez mais consciente e “responsável até por sua própria responsabilidade” e assim o tenho considerado.
Isto tem implicações para o próprio logoterapeuta, porquanto este, assim como todos os demais, também deve zelar por sua capacidade de ser responsável e livre para assumir suas responsabilidades. Em outras palavras, somos seres caracterizados pela nossa independência de espírito. É bem verdade que eu sou descendente do Maharal de Praga, o lendário Rabi que deve ser familiar a vocês através de sua mais famosa novela “The Golen” e dos filmes baseados nela. Aquele Rabi era amigo íntimo de seu contemporâneo Imperador da Áustria e o Golem era um robô de argila criado pelo Rabi. Acontece que doze gerações me separam deste reverendíssimo ancestral e através do tempo, qualquer vocação para a criação de robôs deve ter se evaporado e se dissipado de mim.
Por outro lado, eu não tenho interesse em criar robôs e muito menos papagaios que apenas repetem a voz do “Mestre”. Eu desejo que no futuro a causa da Logoterapia seja conduzida por espíritos independentes, inovadores e criativos. Isto oferece créditos ao Professor Reuven P. Bulka por ter defendido a Logoterapia contra as acusações de que ela seria autoritária. Entretanto, nós, os logoterapeutas, somos tolerantes não apenas frente-a-frente com os nossos pacientes, mas também frente à cada um de nós mesmos.
No mais recente livro sobre Logoterapia escrito por Elizabeth Lukas, encontramos uma afirmação baseada em seus estudos sobre a história das psicoterapias, de que: “Jamais existiu uma escola psicoterapêutica tão dogmática e ao mesmo tempo tão aberta como a Logoterapia”.
De fato, a Logoterapia pode ser considerada um sistema aberto. Não apenas concordamos com esta abertura característica, mas também a definimos como um sistema. “A sistematização é o orgulho dos pensadores”, como disseram os filósofos Ortega y Gasset e J. B. Torello, que não hesitaram em chamar a atenção para o fato da Logoterapia, na história das psicoterapias ser o último modelo desenvolvido como uma estrutura organizada ou como um sistema.
Tudo o que disse antes não me afasta e nem me tira da condição de “pai da Logoterapia” como considera o jornal “Existencial Psychiatry”. Sem dúvida, neste caso, o provérbio latino segundo o qual a paternidade é sempre incerta (pater semper incertus), não se aplica à Logoterapia. Mas, o fato de ser pai ou fundador da Logoterapia, para dizê-lo de forma simples, significa nada mais nada menos do que ser seu fundador, e cuja fundação, por outro lado, significa nada mais e nada menos do que um convite que se estende à todos para que continuem construindo o prédio da Logoterapia sobre as bases desta fundação.
Ler e reler meus artigos poderá economizar o trabalho de ter que fazer tudo de novo e construir uma outra fundação, possibilitando que este tempo seja aproveitado para o desenvolvimento e aprofundamento da Logoterapia no futuro. Para que desperdiçar seu tempo reinventando a Logoterapia?
Quando fui convidado para fazer o discurso inaugural da “Viktor Frankl Library and Memorabilia” na Graduate Theological Union, afirmei que a Logoterapia é um sistema em dois sentidos, ou seja, sendo aberta à sua própria evolução, assim como se dispõe a colaborar com o crescimento de outras escolas. Esta dupla abertura tem frutificado e se evidencia no fato de que, até agora, nada menos do que 18 autores (incluindo-me a mim mesmo), produziram 35 livros sobre Logoterapia publicados em 9 línguas, sem mencionar as 72 dissertações de mestrado e doutorado sobre o tema.
Todos os autores atuam nos mais variados níveis de sofisticação – cobrindo todos os aspectos possíveis; desde a popularização sem vulgarização da Logoterapia, sobre a forma de literatura empírica orientada e com publicações resultadas de experimentos científicos – e continuam se orientando para os mais diversos campos, sentidos e aplicações da Psicologia, coisa que pode ser facilmente observada em livros como; “Logotherapy in Action”. Pelo fato dos diferentes pontos de vista eventualmente contribuir para o distanciamento uns dos outros, vocês poderiam se perguntarem sobre “O que ainda é, e o que já não é mais Logoterapia”? E eu poderia simples e facilmente responder que a Logoterapia mais apropriada e pura é aquela que se encontra nos meus livros, ou seja, nos 6 livros que estão disponíveis em inglês (dentre os quais 3 deles foram escritos originalmente nesta língua e não foram traduzidos do alemão) e nos 8 livros escritos em alemão que ainda não foram traduzidos para o inglês.
Mas, será que isto significa que vocês estariam obrigados a recorrerem incessantemente a estes livros? De forma alguma! Finalmente, este é o único propósito e a principal razão pela qual escolhi o termo “Logoterapia”, para economizarmos ter que dizer a cada instante coisas como: “Eu acho”. “Eu acredito”. “Eu descobri” e etc.”, ao invés de dizermos de forma mais ampla que “A Logoterapia ensina”, e este é também um dos princípios da Logoterapia” e o que dela se espera. De qualquer maneira, eu evito falar, ou escrever na primeira pessoa. Semelhantemente, creio que vocês estão embriagados de dizerem ou escreverem a todo momento que, “Frankl ensina” etc., que esta é uma questão frankliana e assim por diante, e a partir de então vocês poderão dizer; “nós, os logoterapeutas acreditamos que…”
Para pertencer à comunidade logoterapeutica, ou, como diria o professor Ghougassian, “ao movimento logoterapêutico”, não necessário concordar com tudo o que o Dr. Frankl disse ou escreveu. Do que ouviu dizer ou leu em meus livros, você está convidado a aplicar apenas aquilo que lhe parece convincente. Você não conseguira persuadir ninguém a acreditar no que você mesmo ainda não crê”! Isto se aplica de forma particular às convicções dos logoterapeutas, a crença de que a vida tem um sentido, de que ela é incondicionalmente plena de sentido, o que equivale dizer, que ela permanecerá sempre coberta de sentidos sob qualquer condição e terá sentido mesmo nas condições mais miseráveis e será assim até o último suspiro.
Mais do que isto, até mesmo a morte poderá estar plena de sentido.
Entretanto, até mesmo acreditando sozinho e por si mesmo, você é chamado a estar preparado para encontrar e contra-atacar os argumentos dos seus pacientes sobre este ponto de vista, e esta é a razão pela qual vocês poderiam se beneficiarem “se de tempo em tempo” fizerem releituras dos meus textos, para estarem preparados com todos os argumentos para que seus posicionamentos mais inatacáveis.
Partindo desta ótica, poderíamos redefinir as nossas profissões de ajuda como, nada mais nada menos do que uma colaboração para que os nossos clientes, partindo de seus anseios mais humanos e mais fundamentais, possam encontrar o sentido de suas vidas, conseguindo a partir daí com que também aqueles que são de outras profissões encontrem o sentido vocacional e missionário de suas próprias vidas.
Bob Leslie e Mel Kimble poderiam se lembrar facilmente daquela manhã no Hospital Policlínico de Viena quando sentados em meu consultório juntamente com Paul E. Johnson e o jovem Toby Weiss, me esperavam para discutirmos alguns tópicos da logoteoria e da Logoterapia. Quando cheguei, eu trazia uma carta selada em minhas mãos que era a resposta a um convite que acabara de receber do programa de TV “Quem é Quem na América”. Ele me escolheu juntamente com outras 99 pessoas e solicitou um resumo das nossas vidas e então eu o fiz –, coloquei numa carta selada – e eu gostaria que você adivinhasse o que escrevi”, disse-lhes.
Imediatamente, como bala que sai de uma pistola as palavras saíram da boca de Toby Weiss: “Você disse que o sentido das nossas vidas é ajudar os outros à encontrarem o sentido da vida delas”. Palavra por palavra, era exatamente isto o que eu tinha escrito.
A revolução da Logoterapia não se relaciona unicamente com suas aplicações nos mais diversos campos, mas também em sua fundamentação. Muitos trabalhos têm sido realizados, no entanto, vários autores, para consolidarem, corroborarem e validarem os achados que, por muito tempo eram baseadas somente em intuições, na intuição de um adolescente chamado Viktor Emil Frankl. Agora, a Logoterapia tornou-se cientificamente estabelecida através de pesquisas baseadas em testes, estatísticas e experimentação,
Quanto aos testes – No momento, nos dispomos de 10 testes logoterapêuticos desenvolvidos por: Walter Bockmann, James C. Crumbaugh, Bernard Dansart, Bruno Giorgi, Ruth Hablas, R. R. Hutzell, Gerard Kovacic, Elizabeth S. Lukas, Leonard T. Maholick e Patricia L. Stark.
Quanto às estatísticas – devo apenas invocar nomes de professores como; Brown, Casciani, Crumbaugh, Dansart, Durlak, Kratochvil, Lukas, Lucenford, Mason, Meier, Murphy, Planova, Popielski, Richmond, Roberts, Ruch, Salles, Smith, Yarnell e Young. Somos agradecidos a todos eles pelos trabalhos empíricos que nos ajudaram a evidenciar que as pessoas podem encontrar e preencherem as suas vidas de sentido, independentemente de sexo, idade, QI, nível educacional, meio ou estrutura, caráter. Finalmente, independentemente de se ter ou não religião e no caso de tê-la, independe da denominação à qual pertençam, os autores computorizam milhares de dados de centenas de matérias com a finalidade de encontrar evidencias empíricas sobre o potencial incondicional do significado da vida. Ficando por fim comprovado que os adolescentes estavam certos.
Mas também relacionado ao oposto, o sentimento de falta de sentido, ou melhor, a neurose noógena derivada deste estado, muitas foram as contribuições provenientes das estatísticas. Cito apenas os 10 projetos de pesquisas que, apesar de conduzidos independentemente uns dos outros, chegaram à conclusão consistente de que aproximadamente 20% das neuroses são noógenas (Frank M. Buckley, Eric Klinger, Dietrich Langen, Elizabeth S. Lukas, Eva Niebauer-Kozdera, Kazimierz Popielski, Hans Joachim Prill, Nina Toll, Ruth Volhard, T. A. Werner).
Quanto à experimentação – Sobre isto; L. Solyon, J. Garza-Perez, B. L. Ledwidge e Solyon (7) foram os primeiros a oferecerem conclusões experimentais de que a técnica logoterapeutica da Intenção Paradoxal é efetiva. Mais recentemente, Michael Ascher e Ralph M. Turner (8, 9) demonstram através de uma validação experimental controlada, a eficácia da Intenção Paradoxal em comparação com outras estratégias comportamentais.
O interesse pela realização de experimentos é mais recente, mas tem uma antiga tradição em minha vida. Como estudante de medicina, eu já trabalhava no laboratório de neurofisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, então dirigida pelo professor Rudolf Allers, envolvido com experimentos sobre percepções visuais. Ainda como estudante do colégio, concluí experimentos que apresentei em seminários sobre o fenômeno psicogalvânico relacionado ao reflexo de Veraguth. E mesmo anteriormente a isto, quando estava com 4 anos de idade, posso ainda me ver caminhando pelas ruas do segundo distrito de Viena – que era a rua Karmelitergasse – nos braços de minha mãe quando repentinamente tive um insight, fiz uma descoberta e disse:
“Agora, mamãe, eu sei de um remédio para curar doenças: é só reunir pessoas que gostam de viver a vida à todo custo, como aquelas que sofrem de algumas doenças; então você tem comidas, bebidas e uma variedade de coisas e eu me lembro exatamente de ter falado de graxa de sapato, petróleo, e de que as pessoas podem morrer intoxicadas, mas, depois de tudo, elas podem ainda não abandonarem a vida e recuperam a saúde porcausa do que oferecemos para elas comerem e neste caso você já sabe como curar algumas doenças”… Com 4 anos, não tinha me ocorrido a ideia de que seria melhor livrar os pacientes de seus eventuais desejos de se matarem.
***
Quanto mais avaliamos a fundamentação científica da Logoterapia, mais tomamos consciência de suas demandas. Tenho a impressão de que a Logoterapia se tornou demasiadamente profunda para se tornar popular no sentido da palavra. Ironicamente, ela se tornou revolucionária demais para ser completamente aceita em todos os círculos científicos. Uma pequena maravilha. Nossa conceituação de busca de sentido como motivação fundamental para o homem, é um “tapa na cara” das teorias de motivação atualmente existentes, que ainda se fundamentam nos princípios da homeostase, considerando o ser humano como uma espécie de máquina em busca da satisfação de seus impulsos e instintos, de eliminar necessidades com a finalidade de manter, ou restabelecer o equilíbrio sem tensões.
Por outro lado, todos os entes queridos e seres amados, todas as causas pelas quais se dedicam, seriam vistas como meras ferramentas para o alívio das tensões provocadas por impulsos, instintos, necessidades, acionadas rapidamente para gratificar e satisfazer. Em outras palavras, a autotranscendencia que a Logoterapia considera essencial para a existência humana ficaria totalmente esquecida e ausente da imagem da pessoa humana defendida pelas teorias de motivação que tratam o homem como se fosse uma máquina para a satisfação de suas próprias necessidades.
Todavia o homem não é um ser que apenas reage a instintos, ou alguém cuja existência seja a mera reação aos estímulos do meio, mas é um ser que atua voluntária e livremente no mundo, “um-ser-aí-no-mundo”, para me valer da fraseologia de Heidegger frequentemente mal interpretada.
O mundo no qual ele existe, é um mundo está repleto de outros seres cujos sentidos se projetam para além de si mesmos e transcende eles próprios. Entretanto, como poderia alguém compreender a doença e o mal-estar dos nossos dias como resultado da frustração da vontade de sentido, sem a convicção de que o homem está aí em busca deste sentido e que esta é razão central de sua existência?
O que é revolucionário, porém, não é apenas o conceito de vontade de sentido, mas também o sentido da vida. Para finalizar, nós, os logoterapeutas quebramos os tabus como os discutidos na novela de Nicholas Mosley (10), onde encontramos a afirmação de que “Existe um assunto hoje em dia que é tabu, assim como a sexualidade foi no passado, que é falar da vida como portadora de algum sentido”. Atrevo-me a dizer que nós, os logoterapeutas, corremos o risco de falar da vida como algo plena de sentido. Isto acontece necessariamente nos casos de neuroses noógenas, ou, no que se refere à frustração existencial. Aqui, a Logoterapia presta sua contribuição como psicoterapia específica, ou para utilizarmos uma terminologia da medicina; torna-se o “método adequado”.
Isto traz à consideração a questão de como selecionar o tratamento de um caso específico. Com relação à esta problemática, eu mesmo (11) não tenho me cansado de afirmar que a escolha do método em alguns casos, desencadeia a uma equação de duas incógnitas onde:
Ψ = X + Y
Onde a psicoterapia Ψ, é igual a X que representa a personalidade única do cliente, mais Y que igualmente é a personalidade única do terapeuta. Em outras palavras, nem todos os métodos se aplicam a todos os pacientes com o mesmo sucesso. Por outro lado, nem todos os terapeutas são iguais e muito menos são capacitados para utilizarem todos e cada método com igual êxito.
Em relação ao ajustamento do método ao cliente, eu invocaria como testemunha o homem que introduziu o conceito de neurastenia à Psiquiatria, Beard disse uma vez que “Se você tratou 2 casos com o mesmo método, pelo menos um dos dois você tratou erradamente”. Sobre o ajustamento do método à si mesmo como terapeuta, devo recorrer ao que outro clássico falou certa vez sobre a metodologia por ele incorporada à Psiquiatria: “Esta técnica provou ser um método apropriado exclusivamente para a minha personalidade. Eu não me aventuraria negar que um médico diferente, deveria se sentir motivado a adotar uma outra atitude para como seus pacientes e questioná-la exaustivamente antes”. O homem que disse isto foi Sigmund Freud (12)
Como os senhores podem ver, não posso individualizar demais. Não apenas é necessário modificarmos os métodos de pessoa para pessoa, mas também de situação para situação, o que equivale dizer, que não apenas temos que individualizá-los, mas também fazer improvisações criativas. Ambos podem ser ensinados e aprendidos através de casos ilustrativos, cursos e publicações. Acreditem os senhores que entre os melhores logoterapeutas de todos os lugares do mundo, existem alguns – e isto literalmente se aplica aos psiquiatras da Nova Zelândia e das Terras Novas (New Foundlands) – com os quais jamais me encontrei e nem mantive correspondências, entretanto, eles têm publicações excelentes sobre aplicações da Logoterapia, e o trabalho deles se baseia unicamente na leitura de meus livros.
Existem pessoas que aplicam a Logoterapia com muito sucesso consigo mesmos após simplesmente terem lido um livro sobre o assunto. Eles merecem congratulações em consequência de sua criatividade que podem ser classificadas como uma eventual auto-bíblio-logoterapia.
Por tudo que disse anteriormente temos visto que a Logoterapia não é uma panaceia, mas que se trata de uma colaboração com outras escolas como inicialmente afirmei, mas também de uma combinação com outras técnicas, que poderiam ser encorajadas e bem-vindas. Neste sentido, sua eficácia poderia ser ampliada, e talvez, Anatole Broyard (13) estivesse correto ao dizer numa crítica a um dos meus livros por ele publicada no New York Times: “Se regressor é um termo que caracteriza o analista freudiano, então o logoterapeuta deverá ser chamado expansor”. Vamos, portanto, expandir as possibilidades da eficácia da Logoterapia. Ou melhor dizendo, vamos continuar aprimorando-a, pois é afinal isto o que todos vocês têm realizado, não é mesmo?
Afinal, vocês têm semeado as mesmas mensagens da Logoterapia por todo mundo e através de todos os continentes. E há algo que a presidente de uma organização internacional disse enquanto me apresentava ao tradutor de uma conferência: “Dr. Frankl, o senhor me faz lembrar o imperador Carlos V da Áustria. Alguém disse uma vez que dentro do seu imenso império, o Sol jamais se punha. Não seria o que também se passa com a Logoterapia que tem centros estabelecidos desde as américas até o Japão? Não estaria ele correto?
Para os métodos sim, mas eles não equivalem a toda a estória. Psicoterapia é mais do que meramente técnicas e precisa necessariamente incluir um pouco de arte. Por outro lado, psicoterapia é mais do que uma ciência, e ao contrário, ela carece necessariamente de um pouco de sabedoria. Ambas formam uma certa completude, onde algumas dicotomias entre a técnica e o encontro desaparecem e se dissolvem. Estes extremos formam as plataformas que viabilizam as intervenções psicoterápicas em situações excepcionais. Frequentemente a psicoterapia contém ingredientes que são: as estratégias de um lado e a relação Eu-Tu de outro lado. “Sua prática flutua entre polos extremos”, como afirmei em meu discurso de abertura do Seminário sobre Logoterapia na Universidade de Harvard, onde também apresentei dois casos clínicos ilustrativos destes “polos extremos” (14):
Uma garota americana, estudante de música me procurou para análise em Viena. Como ela falava numa gíria incompreensível para mim e não sendo possível entende-la, tentei encaminhá-la há um médico americano para que descobrisse as razões porque procurava a minha ajuda. Ela não o consultou e quando nos encontramos casualmente na rua ela explicou: “Veja, Doutor, assim que falei com o senhor sobre os meus problemas, eu senti um tamanho alívio que não precisei mais de ajuda”. Com isto, não sei até agora porque razão ela veio até mim, mas agora também trago outra estória que representa o extremo oposto (14):
Em 1941, fui chamado certa manhã pela Gestapo para ir até ao quartel general. Rumei-me para lá na expectativa de ser imediatamente levado para um campo de concentração. Um oficial me aguardava num dos gabinetes e quando cheguei, imediatamente começou a fazer uma sabatina. Porém, logo depois mudou de assunto e começou a me questionar sobre tópicos como, por exemplo: O que é psicoterapia? O que é neurose? Como alguém trataria um caso de fobia? Então ele começou a contar um caso específico de “seu amigo”. Enquanto isto, eu já sabia que ele, na verdade, queria discutir comigo o seu próprio caso. Comecei ali mesmo uma psicoterapia breve e (especificamente apliquei a técnica da Intenção Paradoxal). O aconselhei a dizer ao amigo, que ele iria ter somente teria recaídas em casos de extrema ansiedade.
Esta sessão terapêutica não foi baseada numa relação Eu-Tu, mas numa relação Eu-Ele. Neste sentido a Gestapo o liberou por 4 horas e eu continuei tratando-o de maneira indireta. Qual teria sido o efeito desta psicoterapia breve, eu naturalmente não pude descobrir. Para a minha família e para mim mesmo, isto era importante porque salvaria a minha vida pelo menos naquele período, porque era permitido permanecermos em Viena por um ano, antes de sermos enviados a um campo de concentração.
Senhoras e senhores, espero que me perdoem o fato da minha palestra ter começado a assumir um tom anedótico, todavia, assim como Benedictus de Spinoza escolheu o nome de “Ethica – Ordine Geometrico Demonstrata” (15) e talvez vocês possam me permitir chamar este modesto discurso de “Logoterapia: A ordem anedótica demonstrada”. Mas, para falar outra vez fervorosamente o que eu gostaria de reafirmar com vocês, é que não devemos menosprezar as técnicas. É o caso, por exemplo, da técnica da Intenção Paradoxal, sobre a qual, Michael Ascher parece estar correto ao se referir a ela como “única”, porque “a maioria das abordagens possuem técnicas específicas que nem sempre são úteis para outros modelos terapêuticos. Todavia há uma notável exceção que é a Intenção Paradoxal, e que tem sido aplicada por profissionais de uma variedade de escolas terapêuticas e como forma de intervenção em seus sistemas práticos e teóricos (16).
Penso que não devemos nos opormos à essa “incorporação”, porque afinal não tratamos pacientes para a glória da Logoterapia ou com a intenção de aumentarmos a reputação da mesma, ao contrário, beneficiar os pacientes é o nosso propósito fundamental.
Agora vejamos o seguinte; ao invés de ficarmos preocupados com o “o futuro da Logoterapia” como fizemos no início, vamos olhar para o passado por enquanto. Agregue-se a isto o fato da Lei Biogenética de Ernest Haeckel, segundo quem a ontogênese é uma versão resumida da filogênese, o que é também verdadeiro para a Logoterapia, “A Terceira Escola Vienense de Psicoterapia”, como assim é conhecida por alguns autores. Eu fui afiliado de uma forma ou de outra das escolas Adlerianas e Freudianas. Quando ainda era estudante, eu me correspondia com Sigmund Freud, e como estudante de medicina certa vez me encontrei com ele e me apresentei dizendo: – “Meu nome é Viktor E. Frankl” ao que ele imediatamente reagiu dizendo: “Viktor Frankl? Rua Czerningasse número 6, apartamento 25 – certo? “Exatamente”. Ele sabia de cor o meu endereço depois de anos de correspondência. Já em 1924, um artigo meu foi publicado no Jornal Internacional de Psicanálise e menos de um ano depois em 1925, publiquei também no Jornal Internacional de Psicologia Individual de Alfred Adler. Dois anos depois, em 1927 ele insistiu em me expulsar da Escola Adleriana por ser pouco ortodoxo.
Mas o que dizer sobre a controvérsia de que todos os fundadores de escolas psicoterapêuticas em última análise, descrevem em seus sistemas as suas próprias neuroses e em seus livros, a sua própria história pessoal? Penso que não tenho o direito de falar por Sigmund Freud, mas, no que se refere à Logoterapia, eu pronta e alegremente confesso que, ainda como jovem senhor, eu tive que me mergulhar no inferno do desespero da aparente falta de sentido, através dos mais profundos niilismos. Mas, lutei contra este vazio como Jacó e o anjo enquanto me foi possível “dizer sim à vida apesar de tudo”, até desenvolver a imunidade necessária contra o niilismo. Com isto desenvolvi a Logoterapia. Esta é uma pena que os demais autores, ao invés de humanizarem seus leitores contra o niilismo, injetam neles o seu próprio cinismo que é um mecanismo de defesa, uma formação reativa que eles construíram contra seu próprio niilismo. (17)
Isto é uma pena porque hoje, mais do que nunca, o desespero contra a falta de sentido, vem se tornando uma questão urgente em todo mundo. A sociedade industrial se propõe a satisfazer a todas as necessidades e a sociedade de consumo chega a criar algumas necessidades extras para serem satisfeitas.
A mais importante carência, no entanto, é a necessidade básica de sentido, que fica geralmente esquecida e insatisfeita. Ela é importante, uma vez que a vontade de sentido satisfeita, os tornam felizes e capazes de suportarem o sofrimento, de superarem a tensão, a frustração e se for necessário, estarão preparados para dar a própria vida. Olhemos com atenção os mais variados movimentos de resistência através da história, mas quando a vontade de sentido é frustrada, o homem se inclina a tomar a sua vida como centro, independentemente de sua prosperidade e das influencias do meio. É o que se passa com os clamorosos suicídios em países ricos como na Suécia e na Áustria.
Há uma década atrás, o Jornal Americano de Psiquiatria apreciando um dos meus livros, caracteriza a mensagem da Logoterapia como uma mensagem de “fé incondicional num sentido incondicional” e lança a seguinte questão: “O que poderia ser mais pertinente ao entrarmos na década de 1970? Agora, às vésperas dos anos 1980, Arthur G. Wirth (18) expressa a sua crença de que a “Logoterapia tem importância especial durante esta transição crítica” para a sociedade pós-petróleo. Eu creio que a crise de energia não é apenas uma maldição, mas é também a uma oportunidade. Ela incentiva uma certa mudança de foco, enfatizando o sentido e as necessidades existenciais, pois se há uma carência de energia, entretanto a vida clama por sentido.
O professor Ghougassian apresentou recentemente a noção de “movimento” logoterapêutico. Sendo assim, ela certamente começará a pertencer aos movimentos de direitos humanos e nas questões dos direitos da humanidade à uma vida mais plena de sentido tanto quanto possível.
Senhoras e senhores, eu concluí o meu primeiro livro com a frase de que a “Logoterapia não é a terra dos homens. E por enquanto – o que a terra promete! Isto aconteceu há 35 anos atrás. Nesse meio tempo, “a terra de ninguém” se tornou desabitada e a prova disto está neste congresso e nos trabalhos aqui apresentados que demonstram que a “promessa” está em vias de ser cumprida. O programa é uma bela viagem panorâmica através de muitos vales, paisagens e recantos da “terra prometida” e esta é uma viagem dirigida. Obrigado ao nosso guia, o Professor Ghougassian!
Referências Bibliográficas
⦁ Frankl, Viktor E.; Psychotherapy on it’s way to Rehumanization, The International Forum for Logoterapia, 3 (2), 1980, 3-9
⦁ Rabi Yehuda Leove ben Bezalel; The Book og Devine Power: Introduction on the diverse Aspects and Levels of Reality, Gracow, 1582, (Traduzida por Shlomo Mallin, Feldheim, New York, 1975.
⦁ Reuven P. Bulka; Is Logotherapy Autoritarian?, Jounal of Humanistic Psychology, 18 (4), 1978, 45-54.
⦁ Elizabeth S. Lukas; Auch dein Leben Hat Sinn: Logotherapeusche Wege zur Gesundung, Freiberg, Herder, 1980.
⦁ J. B. Torello; Viktor E. Frankl, L’omme en Viktor E. Frankl, Le Psychoterapie et son Image de l’omme, Paris, Resma/1970.
⦁ Joseph B. Fabry, Reuven P. Bulka e Willian S. Sahakian; Logotherapy in Action, New York, Aronson, 1979.
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⦁ Ralph M. Turner e Michael Ascher; Controlled Comparison of Progressive Relaxation, Stimulus Control and Paradoxical Intention Therapies for Insomnia: Journal for Consulting and Clinical Psychology, 47(3), 1979, 500-508.
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⦁ Nicholas Mosley, Natalie Natalia; Coward, McCann and Geoghegan.
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⦁ Freud, Sigmund; Quoted from Sandoz Psychiatric Spectator, 2 (1).
⦁ Broyard, Anatole; The New York Times, 26 de Novembro, 1975.
⦁ Frankl, Viktor E.; Psychotherapy and Existencialism: Selected Papers on Logotherapy, New York, Touchstone, 1978.
⦁ Spinoza, Benedictus de; Opera Quae Supersunt Omnia, Lipsae, Tauchnitz, 1843.
⦁ Ascher, L. Michael; Paradoxical Intention, em Handbook of Behavior Interventions, A. Goldstein e E. B. Foa, Ed. New York, Wiley, 1980.
⦁ Frankl, Viktor E.; The Unheard Cry for Meaning: Psychotherapy and Humanism, New York, Tuchstone, 1979.
⦁ Wirth, Arthur G.; Logotherapy and Education in a Post-Petroleum Society, The International Forum for Logotherapy, 2(3) 1980, 28-32.
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